Já na entrada do restaurante, um garçom de avental encardido
passa carregando um balde d'água, de onde um peixe vivo dá saltos vigorosos no
ar. Os clientes fumam sem parar, falam alto e sugam alegremente o macarrão. No
corredor há uma parede de aquários ocupados por criaturas supostamente
comestíveis —de cara não dá para saber se estamos num restaurante ou num pet
shop.
O nome do local é Baoluo Jiulou, um enorme estabelecimento
em Xangai frequentado por expatriados e locais. Dizem que o apelido do lugar é
"Tardis" (a máquina do tempo da série "Doctor Who"),
porque, de fora, não dá para adivinhar a magnitude do salão, com capacidade
para trezentos comensais.
Para os ignorantes que não falam xangainês, cantonês ou
mandarim, um bom restaurante na China deve possuir duas características: um
cardápio em inglês e um garçom bem disposto. Ajuda muito se o menu for
ilustrado, mas nenhum desses atrativos pode ser suficiente para garantir que
você saiba exatamente o que está comendo.
Os restaurantes costumam servir uma miríade de criaturas
pertencentes a todos os reinos, filos e classes animais, vegetais e minerais,
como sopa de pepino-do-mar e gônadas frescas de ouriço-do-mar.
Até hoje não sei ao certo tudo o que meu estômago teve de
processar durante minhas duas temporadas na China. Lembro em específico de um
banquete oferecido pelo reitor da Universidade de Nanquim, no qual foram
dispostos dezenove pratos numa mesa circular, que iam desde língua de porco
defumada a ovos pretos e tiras de enguia. Dizem que, nessas refeições oficiais,
é preciso alternar entre amargo, azedo, picante, doce e salgado.
Eu fechava os olhos e, em nome das relações diplomáticas e
da amizade entre as nações, mandava ver.
Comer longe de casa é sempre uma aventura. Na China, os
cardápios são muitas vezes traduzidos para o "Chinglish", um idioma
híbrido e enigmático com toques esotéricos. Vi uma sopa chamada "Buddha
saltando a muralha" e um prato de nome "O templo explode o cubo de
frango".
A foto parecia interessante, mas acabei declinando da
"Cebola explodindo o senado distante".
Há que se agir com prudência diante de um certo
"macarrão avantajado", e também diante de um "espetinho de
criança frita ao molho tártaro". Deve-se consumir com desconfiança uma tal
"fatia de presunto com arteriosclerose em conserva", uma tigela de
"crack com chili" e um "pepino bivalve infectado". Evite-se
igualmente o "dumpling recheado com glândulas digestivas e ovário de
crustáceo".
Na carta de bebidas, as opções podem ser: "suco de
laranja", "suco de limão", "suco de repolho roxo",
"suco de pepino" e "suco estranho".
Na dúvida, peça sempre "a mesma coisa que eles estão
comendo, só que sem as ventosas".
Vanessa Barbara, jornalista, cronista e tradutora, é colunista
do 'International New York Times' e da 'revista sãopaulo'.É autora de 'O Livro
Amarelo do Terminal' (Ed. Cosac Naify, Prêmio Jabuti de Reportagem) e 'Noites
de Alface' (Ed. Alfaguara). É editora de 'A Hortaliça' (www.hortifruti.org).
fonte: http://www1.folha.uol.com.br/colunas/vanessabarbara/2014/06/1465576-um-banquete-chines.shtml