terça-feira, 27 de julho de 2010

Ignorância e preconceito: até na alimentação?

 
Li hoje a edição especial sobre "Mitos Alimentares" (279-A), da revista Superinteressante, e achei realmente superinteressante. Mas sou obrigado a fazer duas observações, que na verdade são sobre o mesmo tema: cultura oriental e ignorância.
 
Estudo e trabalho com cultura oriental há mais de 30 anos e ainda fico impressionado com a ignorância das pessoas sobre o Oriente, inclusive de "experts" e acadêmicos.
 
Quando se fala em tomar leite, o cardiologista Heno Ferreira Lopes, do Incor, afirma que as pessoas precisam tomar leite "pelo resto da vida". Essa afirmação, além de ridícula para um profissional de seu gabarito, é mais um mito da alimentação divulgado em uma revista que objetiva derrubar justamente mitos da alimentação!
 
O que afirmo não é com base em superstições, mas em evidências claras: os orientais não consomem leite e derivados. Apenas isso já derruba esse mito moderno sem chance de recursos. A China possui uma cultura com mais de 5.000 anos de civilização, comprovada arqueologicamente, e em todo esse tempo não baseou sua alimentação em leite. Com exceção de povos localizados na parte noroeste do país, próximo à Mongólia, lugar ermo e desértico, sem grandes culturas vegetais. Mesmo assim, nestes lugares o leite é ingerido fermentado (chamado "koumiss") ou na forma do conhecido yogurte (que nasceu lá). De resto, o hábito de beber leite é desconhecido da cultura chinesa, o que explica o porquê de mais de 90% da população da China ter intolerância à lactose. Seriam os chineses todos doentes? Claro que não.
 
Em japonês nem existem palavras para descrever leite e manteiga e eles usam termos derivados do inglês ("miruku" para "leite" e "báta" para "manteiga").
 
Existem inúmeras fontes de cálcio e nutrientes sem ser o leite. Acredito que as palavras "tem que..." não devam ser utilizadas em alimentação, pois cada pessoa é uma pessoa e cada cultura é uma cultura, como afirmo no meu livro "26 Dicas de Saúde da Medicina Oriental".
 
Sobre o macarrão, tomei um susto ao ler a opinião de um professor de História: "Na China e no Japão, o mais provável é que fossem feitas de arroz, produto agrícola abundante por lá". Pura ignorância sobre o Oriente e preconceito cultural. Esse rapaz, Henrique Carneiro, deveria voltar aos bancos escolares. A massa mais comum no Oriente é feita com farinha de trigo. A China possui uma divisão alimentar importante: no Norte a alimentação se baseia no trigo e no Sul, no arroz. Existe o macarrão de arroz, mas é consumido em menor quantidade do que o de trigo. Esse cereal cresce em abundância no norte frio da China, berço de sua civilização. Mas existem ainda outros alimentos além do arroz. A mais antiga massa conhecida no mundo é um macarrão encontrado no norte da China em 2005 com 4.000 anos e feito de milho-miúdo (já mostrado aqui no blog). A descoberta saiu na revista "Nature". São "especialistas" como esse que ajudam a manter a população na ignorância sobre a cultura oriental.
 
Também acho estranho que a ideia de Marco Polo ter levado o macarrão para a Europa seja descartada porque os romanos comiam papas e mingaus, conforme afirma esse historiador. Isso não é macarrão nem pizza. Quando se estudam as origens de determinados alimentos ou pratos, devemos levar em consideração sua forma e substância. Polenta, macarrão, pizza e mingau de aveia possuem a mesma ideia básica (farinha e água), mas são alimentos diferentes, com histórias diferentes.

Infelizmente a cultura oriental ainda é muito pouco conhecida de nosso povo, apesar da grande imigração asiática.


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