domingo, 26 de agosto de 2012

Ideogramas chineses não são apropriados para mundo globalizado, criticam especialistas



Quando cerca de 200 milhões de crianças chinesas entrarem na escola em 1º de setembro, uma tarefa grande – talvez a maior de todas – que enfrentarão será aprender 400 a 500 novos ideogramas chineses durante o próximo ano. O ano seguinte trará a mesma quantidade. É um desafio que todas as crianças se esforçam para superar, em vários níveis.

Talvez tolamente, esta semana tentei analisar meu filho, que não está muito ansioso para voltar à sua escola estadual de ensino fundamental em Pequim e para aqueles novos ideogramas. Os ideogramas chineses não têm pistas visuais para a pronúncia, o que significa que eles devem ser aprendidos individualmente, através da cópia repetitiva para construir a memória motora. Como Zhang Guangzhao, ex-professor de filosofia em Pequim e comentarista do site da Academia Chinesa de Ciências Sociais, escreveu num ensaio: “assim como as pessoas podem ouvir um som e não enxergá-lo, ver uma foto sem ouvi-la, nossos olhos e ouvidos não se encontram em chinês.”

“Pode ser divertido voltar às aulas”, disse para meu filho, com esperança. “Ver todos os seus amigos e tudo mais?” 
“Mãe, aprender chinês nunca é divertido”, ele respondeu, desapaixonadamente.

Algumas pessoas, particularmente adultos, podem discordar disso, defendendo o prazer estético dos ideogramas e da rica cultura para a qual eles abrem as portas. E, apenas para esclarecer, eu concordaria em parte com a visão de que aprender a escrever chinês é prazeroso, tendo passado mais de duas décadas fazendo isso. Entretanto, também é difícil o processo circular de aprender, esquecer e reaprender. Como disse Zhang numa entrevista por telefone: “agora, posso escrever cerca de 3 mil caracteres.”
“O governo identifica 2.500 ideogramas de 'uso comum'”, diz ele, acrescentando que um acadêmico precisaria reconhecer mais, talvez em torno de 5 mil. “As pessoas podem escrever menos caracteres do que reconhecem, entretanto.”

Então a reação de meu filho chegou ao topo de uma questão séria: será que escrever em chinês é apropriado para um mundo globalizado e digitalizado? Wu Wenchao, que trabalhou como intérprete na ONU por 25 anos, acha que não é exatamente apropriado. Os ideogramas são “ineficientes e arcaicos”, escreveu ele num e-mail. “A língua chinesa é difícil de aprender em comparação com as letras alfabéticas”, escreveu Wu.

“Os estudantes chineses trabalham duro e teriam que passar mais dois anos aprendendo para atingir o mesmo nível de um intelectual ocidental”, disse ele. E acrescentou: “a dificuldade de aprender é análoga a um longo tempo de inicialização na terminologia de computação, o que significa um atraso do sistema para se tornar operacional.”
As pessoas na China continental já usam o pinyin, um sistema romanizado introduzido pelo governo em 1950, para digitar em computadores e telefones celulares. Este é mais fácil, mas está reduzindo a capacidade de escrever os ideogramas, dizem especialistas.
Então será que não existe nenhuma tentativa de tornar o chinês escrito mais fácil, aumentando sua alfabetização, talvez adotando um sistema digráfico que inclui tanto ideogramas quanto um alfabeto baseado na fonética? Este território também é controverso. Pedidos para aumentar a alfabetização do chinês, além do limite do uso do pinyin, logo encontraram oposição na China por parte de pessoas comuns, funcionários e muitos acadêmicos.
Na Feira de Livros de Frankfurt em 2009, onde a China foi convidada de honra, eu testemunhei um momento revelador quando Wang Meng, ex-ministro chinês da cultura, declarou que a China deveria manter seus ideogramas “ou sua cultura seria extinta!”. Muitos jovens chineses na plateia se levantaram e aplaudiram com fervor.
Num argumento contra-intuitivo, Zhang acredita que o chinês não é de fato difícil para aprender, só é mal ensinado. Por milhares de anos, disse ele, acadêmicos e funcionários deliberadamente mistificaram o aprendizado para proteger seus privilégios. A classe governante “não quer popularizar a cultura e transformá-la num tipo de recurso público compartilhado pelo povo”, escreveu em outro ensaio. “Eles consciente ou inconscientemente criaram um bloqueio para dificultar a aprendizagem.” Esse legado permanece até hoje, acredita.

William C. Hannas, linguista e autor que fala ou escreve 10 línguas incluindo chinês, diz queo debate sobre passar para um sistema de escrita alfabetizado, que floresceu nos anos 50, está acabado. “Não há debate na China – ou em nenhum lugar hoje em dia – sobre a reforma da escrita”, escreveu num e-mail. “Nós nos ressentimos quando nos pedem para abandonarmos uma tradição, ou quando ouvimos de um estrangeiro, especialmente, que uma parte de nossa identidade é falha.” Entretanto, algo parecido como isso está acontecendo não oficialmente, diz ele.

Especialmente online, os chineses estão experimentando com o alfabeto romano: o governo, “zhengfu” em pinyin, costuma ser abreviado para “ZF”. Uma competição internacional é um “PK” (a partir da terminologia de videogames). Alterar digitalmente as imagens com um programa como o Photoshop é “PS”. Fazer amor é “ML”.
“Digrafia – a coexistência da escrita em ideogramas e a alfabética – está acontecendo na China não por causa de uma política de cima para baixo, mas inconscientemente, de baixo para cima”, escreve Hannas. Num e-mail, Jiang Beining, um blogueiro que acredita que os ideogramas estão prendendo a China ao passado, tornando-a “não científica”, escreveu: “os caracteres são uma muralha invisível entre a China e o mundo.”

Para 200 milhões de crianças em idade escolar, inclusive meu filho, um ano de dura memorização está começando. É apenas um passo no caminho para se alfabetizar em chinês, mas também para conquistar uma bela língua.

Tradutor: Eloise De Vylder
Reportagem de Didi Kirsten Tatlow


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