Mais uma vez nos encontramos nesta triste tarefa de mostrar os fatos por trás de palavras e ideias distorcidas emitidas por um, até então, respeitável médico. Vimos na primeira parte de nossa réplica, semana passada, como o conteúdo do quadro “É bom para quê?”, do programa “Fantástico”, distorce os fatos e mostra meias-verdades como o suprassumo da sabedoria médica. Atitude risível, se não fosse o impacto negativo que tal procedimento oferece às pessoas honestas e que se preocupam com sua saúde.
Esse quadro, que deveria se chamar “É bom pra QUEM?”, mostra até onde se consegue distorcer evidências para se transmitir uma informação falsa e enganosa, dedicada a manter amarrada toda uma população a um sistema de saúde cada vez mais caro e ineficiente.
Antes de analisarmos o segundo episódio desta triste saga, convêm abrirmos um parênteses para analisarmos o que realmente significa a chamada “tradição”.
A Tradição
A importância da Tradição é enorme, pois traz a sabedoria de outros tempos, comprovada e testada em milhares de eventos. A ciência médica preconiza o contrário, que só importa o que é novo, razão pela qual despreza o conhecimento antigo tratando-o como “superstição” e “ignorância”.
Já tive essa discussão vezes sem conta, em grupos de debate de céticos na internet. Quando se diz que algo é bom porque é utilizado há centenas de anos, eles não conseguem entender esse raciocínio. Estranho, pois é lógico e claro como vamos mostrar em uma hipotética história. Uma pessoa A é um pajé, por exemplo. Ele receita o composto X para um paciente, e este morre envenenado. Aí aparece outro com os mesmos sintomas e ele ministra o mesmo composto, matando este também. E assim segue sua carreira “médica” até passar seus conhecimentos para um aprendiz, que receita repetidas vezes o mesmo composto X, matando um outro número de pacientes inocentes e assim por diante. Isso faz sentido para você? Pois é esse o pensamento que médicos e “céticos” tem de tratamentos naturais guiados pela Tradição.
Na verdade o que acontece é exatamente o contrário: um tratamento repetido centenas ou milhares de vezes só permanece sendo utilizado se seus efeitos forem reais e seguros. Temos um exemplo claro na Medicina Chinesa: Li Shizhen
Li Shizhen (1518–1593) foi um dos maiores médicos e farmacologistas da história chinesa. É considerado um dos maiores naturalistas e herbalistas da China. Sua grande contribuição foi um trabalho que levou 27 anos para ficar pronto: o Bencao Gangmu (“Compêndio de Matéria Médica”). Este livro detalha mais de 1.800 drogas da Medicina Chinesa, com 1.100 ilustrações e 11.000 prescrições. Ele descreve o tipo, forma, sabor, natureza e aplicação em tratamentos de 1.094 ervas. Sua obra foi traduzida para várias línguas e ainda é a principal referência em medicina herbalística.
Será que a medicina científica ocidental possui testes clínicos, a principal “reinvindicação” do Dr. Varella, que remontam a milhões de casos durante 500 anos? Esse é o tempo no qual as fórmulas de Li Shizhen são estudadas e utilizadas. Ainda hoje é matéria obrigatória nas faculdades chinesas.
Não vamos estender demais o assunto, nem pensar que só porque é antigo é “infalível”. O próprio Li Shizhen fez uma revisão de conhecimentos anteriores a ele. Mas os tratamentos e fórmulas antigas merecem todo o respeito e consideração e a esmagadora maioria é, sim, eficiente.
Para se utilizar a sabedoria da Tradição precisamos de uma fonte confiável. Não precisa ter diplomas de Harvard, mas deve ter recebido esse conhecimento de gerações anteriores e expandido seus limites. Na caso das ervas medicinais, muitos “erveiros” e “erveiras” do interior se encaixam nessa situação. Usar a Tradição não é receitar fórmulas de “ouvir falar”, mas com fontes confiáveis.
O programa de 05 de setembro
O título do programa desta semana, por si só, é megalomaníaco: “Drauzio Varella desvenda se plantas podem curar o câncer”. Puxa, que legal! Ele desvenda isso sem nenhuma pesquisa, nem comprovação científica! Com base em situações-limite e em sua própria opinião, ele mostra o que funciona ou não. No final, puro “achismo”, sem ciência.
Agora novamente vemos surgir a falácia do ”tratamento-alternativo-mascara-sintomas-e-impede-que-se-busque-tratamentos-médicos”, que já foi exposta em nossos último texto, onde citamos que a maioria dos pacientes que procura tratamentos alternativos JÁ PASSOU por médicos e seus tratamentos milagrosos. Sem resultados aceitáveis.
A respeito da babosa, o gentil senhor do programa ainda reitera: “Pois tem gente que diz que ela também é boa para o câncer. Mas não é não”. Não é, não, Dr. Varella? Quantos anos de pesquisa o senhor tem dessa planta? Que resultados clínicos conhece sobre seus efeitos? Como uma pessoa pode AFIRMAR algo que não possui respaldo científico e se considerar um “cientista”?
Em 08 de dezembro de 2009 houve uma audiência pública no Ministério da Agricultura sobre a babosa (Aloe Vera). Um pesquisador do Conselho Internacional de Ciência do Aloe (Iasc), Michael Peuser, afirmou que “o Brasil está atrasado em relação à utilização do Aloe Vera como suco vitalizante”. Esse tipo de utilização é largamente empregado em todo o mundo e existem mais de 300 empresas internacionais que fabricam produtos derivados do Aloe Vera. Michael observou ainda que há mais de quatro mil pesquisas científicas publicadas sobre os benefícios do Aloe Vera. Bem, no mínimo é um assunto que merece ponderação. Como afirmar, de forma categórica, que ela não funciona para um determinado tipo de problema de saúde? Opinião pessoal não é ciência, doutor.
Em seguida pedem a opinião de outro médico, oncologista. Não é preciso assistir o vídeo para saber o que ele disse. Conhecemos a ladainha de cor.
Mas por que as pessoas procuram uma planta contra o câncer se existem “maravilhosos tratamentos científicos”? Bem, talvez eles não sejam tão maravilhosos assim. Começamos por saber que a medicina NÃO sabe exatamente como se inicia um câncer ou como ele se desenvolve. Ainda existem mais perguntas do que respostas. E NÃO sabem exatamente como eliminá-lo. Quando uma pessoa é classificada como “curada”, na verdade ela tem que tomar medicamentos para o resto da vida ou se submeter a exames periódicos para saber se o câncer voltou. Ora, se o câncer pode voltar então não há cura! Ou seja, ainda se sabe muito pouco sobre esse mecanismo, do ponto de vista científico. Os tratamentos são brutais e muitas vezes demorados ou mutiladores. Mas eles agem como se tudo estivesse resolvido e tivessem todas as respostas! Prezado Dr. Varella e colegas: arrumem uma cura definitiva e digna para o câncer e ninguém nunca mais vai procurar babosa.
O Varella e a Varinha
Surge ainda outro componente “místico” no programa: o bioteste. Análises de saúde feitas com uma varinha de metal no qual se tenta separar os dedos indicador e polegar, que formam um arco. A técnica foi mostrada de modo a chamar a atenção para sua aparente falta de ciência. Como se fosse uma “varinha mágica” ou outra concepção mística. Segundo o programa, “o bioteste foi trazido para o Brasil nos anos 1990 por um padre, que hoje é o coordenador de centenas de centros que oferecem o método milagroso em todo o país”.
“Método milagroso”? Veja a figura abaixo:
Ela ilustra o procedimento da tal “varinha milagrosa”. Mas eu achei esta ilustração no site da ASSOCIAÇÃO MÉDICA BRASILEIRA DE BDORT (“Bi-Digital O-Ring Test” ou “Teste do Anel Bi-Digital”). Você leu direito: uma associação médica!
Segundo o site: “O BDORT, ou “Bi-Digital O-Ring Test” (Teste do Anel Bi-Digital) é uma técnica de investigação clínica não invasiva, desenvolvida pelo médico e engenheiro nipo-americano Yoshiaki Omura. A técnica tem como base o fenômeno do enfraquecimento muscular provocado pela ressonância entre duas substâncias idênticas. O teste é realizado utilizando-se a musculatura dos dedos em forma de anel. A primeira descrição do método foi publicada pelo Dr. Omura em 1981”.
O método é muito utilizado em diversos tipos de terapias alternativas, com excelentes resultados. Claro que nenhum médico irá substituir uma tomografia computadorizada por isso, mas é um sistema experimental não invasivo que está sendo divulgado e utilizado por MÉDICOS. Que vergonha, Dr. Varella! Não fez a lição de casa…
A tentativa de associar religião com terapias alternativas é um velho recurso de quem tenta deturpar essas medicinas altamente populares. É um passo lógico na direção da “crença” e da “superstição”.
E ainda tem mais: “a babosa pode causar efeitos colaterais bastante sérios. Pode ocasionar problemas cardíacos, fraqueza muscular, tonturas, dentre outras”, alerta a farmacêutica Rita Vieira.
Interessante. São efeitos colaterais similares aos dos medicamentos contra colesterol (estatinas), receitados todos os dias pelos médicos de todo o mundo. E que são as drogas mais rentáveis da indústria farmacêutica…
Bem, mais uma vez assistimos a persistente tentativa de se falar mal do trabalho alheio, utilizando casos extremos. Nenhum terapeuta que eu tenha conhecido receitaria argila ao invés de quimioterapia ou recomendaria que não se fizesse uma biópsia. Pelo contrário, os terapeutas alternativos trabalham sempre em conjunto com a medicina científica, o contrário é que nunca acontece. Os “sábios de branco” não admitem compartilhar seu trono dourado.
Casos extremos são fáceis de encontrar. Em 2007 uma mulher de Minas Gerais ia fazer uma cirurgia para retirar uma pedra na vesícula quando a “pedra” nasceu e começou a chorar. Médicos (formados e tudo) diagnosticaram sua gravidez como pedra na vesícula. Os movimentos do feto foram prontamente diagnosticados como sintoma do problema na vesícula. E isso incluiu exames de sangue, de urina, de hormônios e uma endoscopia digestiva. Será que podemos confiar na medicina científica?
Até a semana que vem, infelizmente.
Referências:
International Aloe Science Council - http://www.iasc.org/
Associação Médica Brasileira de BDORT: http://www.ambbdort.org.br/
Site oficial da técnica Bi-Dort: http://www.bdort.org/
Programa “Fantástico” desta semana:
aonde encontro esse tipo de medicina " varinha "
ResponderExcluirmeu e-mail lucinhasouza460@hotmail.com